terça-feira, 10 de novembro de 2009

É curioso que alguns primeiros livros de poesia tenham títulos gerais, ao jeito de líções de síntese. Eis dois (re)lidos recentemente:

Noção de poema (Nuno Júdice)
Teoria da Fala (GastãoCruz)

Prova provada que, quando somos jovens, temos propensão para ser mais papistas que o papa.

domingo, 1 de novembro de 2009


A mediania

"(...) Na matemáticca, o simples é, realmente, muito simples, mas na vida de sociedade não acontece o mesmo. Há na vida a tendência para negligenciar as coisas que são mais simples de compreender. Há nisto qualquer de coisa de cómico. Quem ganha com a cegueira das pessoas são os advogados. Estes têm, também, de possuir experiência da vida. A sensatez tem algo da justa medida do que é mediano. Todos nós temos muito pouco de mediano. Há muitas pessoas, sobretudo mulheres, que não suportam a mediania, o meio-termo, precisamente porque ela é a justa medida, ou então porque sentem inveja dessa justa mediania. (...)"

Robert Walser, O Salteador, Relógio d'Água, p. 161.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Distraidamente esbarrei no The Searchers na televisão. Já se sabe que odeio ver filmes na TV e, mesmo tendo visto Ethan Edwards a errar planíciea afora fiquei colado ao écran como se fosse a primeira vez que vi o filme. Isto é, certamente, a marca de que há filmes que são maiores do que tudo.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Figurante

Sinto-me como uma das personagens de Pedro Costa: imóvel, a fitar o horizonte, ali, sem saber bem porquê, mas ali, perdido, um peão no meio da engrenagem social, em ruptura com o que me rodeia.

De Senectute

Vi um par de fotografias minha tiradas há precisamente um ano. A cara está parecida, mas mais leve e jovial. Não haja dúvidas que a juventude idealista já era...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

As coisas que passam

Quis o acaso que, enquanto vigiava sonolentamente exames na Faculdade deparasse com um trecho acertadíssimo:
"As coisas que passam, dizia Hegel, são passagens para outra coisa. Mas há coisas que não passam - nem pela cabeça, quando existe, nem pela vida, quando ocorre. São figuras do mesmo e por vezes são substituições do mesmo. Tudo fica, se mantém, e nem vale a pena compreendê-lo porque o que vale brilha e ofusca. A luz que esclarece resulta das coisas opacas, dos mundos baços e submersos"
Nuno Júdice, Última Palavra "- Sim", & etc 1977, p. 18
Fitei o rosto perdido dos examinados de ocasião, lembrei-me dos suores frios que, nos tempos em que estava do outro lado do anfiteatro procurava a resposta possível ao inquisitório jurídico vertido sobre letra de imprensa que crescia perante mim. Lembrei-me, também, que quando começar a minha nova tese tenho de não me esquecer que "A luz que esclarece resulta das coisas opacas, dos mundos baços e submersos". Isto no Direito, que se quer claro e objectivo para bem da convivência social. Irónico, se escrever algo minimamente certo, tal coisa veio dos bas fonds intelectuais.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Inevitabilidades


Se em Le Cercle Rouge o Fado aparece como arquitecto supremo de uma reunião trágica num círculo vermelho de sangue, talvez na vida cá fora, esse mesmo círculo vermelho que comanda o Fado seja o farol que nos alumia e leva a conviver, estar e ter prazer em estar com aqueles de quem gostamos. Ou seja, a inevitabilidade trágica, cá fora, é a inevitabilidade feliz ou, para os mais pessimistas, um óptimo de segundo grau.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Ironia Suprema


Um ateu confesso ver, rever e voltar a ver Ordet, desejando acreditar na palavra e nas forças transcendentais superiores.

domingo, 6 de setembro de 2009

Biografia

1.

Cresceste lentamente
sob as dúbias imagens incoerentes
dum céu que te retinha


in Campânula, de Gastão Cruz, & etc, 1978

E é nesta singeleza que nos encontramos, reencontramos e, estranhamente, encontramos também como que uma biografia para a génese de uma qualquer ideia ou coisa. Esta "biografia" parece não ser do eu ou do tu, mas de tudo e todos. Universal.

Os franceses é que a sabem toda...

Pensemos na imagem típica:

numa esplanada, livro nas mãos, copo de vinho tinto para acompanhar, fundindo as imagens que se vão formando na calidez do sabor inebriante do vinho.

Poucas coisas são melhores do que isto.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A modos que assim


domingo, 23 de agosto de 2009

Magias

Chegou-me, finalmente, às mãos "Magias", de Herberto Hélder. Leio, releio e volto a ler. A dúvida é sempre a mesma: são poemas mudados "simplesmente" para português ou é Herberto, lui-même, quem escreve. Dúvidas à parte, o livro é mágico.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O cinema contemporâneo

Com honrosas excepções, quando quero ver algo moderno, capaz de me deixar boquiaberto, nada melhor do que navegar nos arquivos e ver, por exemplo, um Straub-Huillet, um Antonioni, um Bresson, um Ozu ou um César Monteiro António Reis ou António Campos em DVD ainda não passa de pura utopia...), dependendo do estado de espírito. Há mais Cinema num único plano destes senhores do que nos planos hiper-rápidos-prontos-a-comer-de-35-segundos-no-máximo de um produto made in Hollywood.
O problema - há sempre um mas nestas equações - prende-se com o facto de gostar de Cinema (tal como gostar de Literatura ou de Música) implicar a educação do olhar, de ter um espírito aberto e termos a disposição de querer ver algo diferente na forma e no modo pelo qual se conta uma qualquer narrativa. A vertigem da vida moderna é que nos leva, muitas vezes, a preferir a modorra e a preguiça, arrastando a existência até uma qualquer sala para ver uma sucessão amorfa de imagens que, uma vez acesas as luzes, já esquecemos, contrariamente ao preço do bilhete que fizemos questão de pagar à entrada.
Precisamente aquilo que o establishment* pretende: cidadão estupidificado e devida e ponderadamente neutro às barbaridades que vê.
* Não haja dúvidas que em estrangeiro soa melhor.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Da existência em termos práticos

Olha
está meio nu

o filho dum pai
vai passar
a pai dum filho
(...)

Alberto Pimenta, Santa Copla Carnal, Fenda, 1993